Vou te contar sobre o dia que nos conhecemos: .
Eu estava com as saias e os cabelos ao vento. As saias combinavam com a tintura das unhas, as unicas duas que estavam pintadas. Tempo meio morno, em um parque de diversões da zona norte e picolé de limão escorrendo pelo meu braço.
- Ô moço! - chamou uma menina mais a frente. - Me dá esse picolé aí, moço.
E eu dei. Fiquei uns instantes olhando pra ela e ela pra mim, enquanto chupava o picolé. A gente sorriu e ela disse antes de sair andando:
- Saia manêra.
Fiquei ali mais alguns instantes e imaginei que aquela cena era um filme. O recorte estava lindo daquele quadro; aquela menina com o picolé de limão se afastando, saindo do quadro, as pessoas cruzando seu caminho para o outro lado do parque e ela alí, intacta naquela satisfação. Se mudasse o ângulo, abrisse o plano, lateralmente, ainda se teria eu olhando aquela primeira cena, com minha saia e meus cabelos voando.
Você apareceu.
Você apareceu.
Não quero dar importância ao seu surgimento (uma linha no máximo!), mas é que aquele momento fica registrado de uma maneira muito sutil na minha memória. Na verdade eu não lembro dele direito, eu realmente não lembro. Sei que não foi de repente como a menina que pediu o picolé, sei que não foi no meio da minha viagem cinematográfica, sei que não foi quando comecei a voltar a caminhar pelo parque. Foi entre isso tudo, me parece. Talvez você estivesse me observando antes, tenha me abordado no curso da viagem e tenha seguido comigo, juro que não me lembro. Parece que você sempre esteve ali, mas eu não lembrar as vezes me faz acreditar que não, você não estava - eu queria tanto te conhecer que estou escrevendo essas linhas para inventar um surgimento.
Eu fico mesmo com essa incógnita na minha cabeça, porque olha, que doideira essa que a gente se meteu. Ou te meti. Ou você me meteu. A gente se viu e, não sei, se reconheceu. Mas como dizer que conhece o que você nunca viu? Ou como ver o que você não conhece? - Eu fico me fazendo essas perguntas toda vez que você pega minha saia emprestada e sai, louca, desvairada na noite para algum parque de diversões noturno pra tentar encontrar outro amor. As vezes você consegue e até divide comigo, as vezes você se apega e me esquece um tempo, as vezes você volta frustrada e faz meu abraço de abrigo, as vezes você só me acorda com um beijo e dorme do meu lado. Você só não me leva nos teus parques, sabe que se eu fosse veria que não tem nada demais com eles, só com você.
E, sabe, eu sei que é esquisito eu lembrar do encontro com a menina do picolé bem mais que o nosso. Ela eu nunca mais vi, lembro o rosto direitinho e as vezes me esqueço do seu, quando você viaja duas semanas ou muda o visual. Não é por mal, cansei de jurar. Só acho que, sei lá, a gente já se conheceu mesmo? Só pra saber, porque se você não entende, que dirá eu.
Fico te vendo ansiando por um outro dia no parque como aquele, enquanto eu não entro mais em parques - não quero perder aquela cena. É nítido pra mim, nas tuas pupilas inquietas, o que busca na vida e o que não encontra aqui. Somos diferentes, embora usemos as vezes a mesma saia. Em você ela tem mais caimento, em mim, ela combina com a tintura do meu esmalte favorito, que não muda.
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